Ronald Cruz: o fotógrafo que transforma ancestralidade em imagem viva
Do Coque para o mundo, o artista pernambucano é referência em retratar pele preta, une música e fotografia, e quer abrir caminho para novas gerações de criadores.


Do Coque ao palco da arte
Nascido e criado na comunidade do Coque, em Recife (PE), Ronald Santos Cruz, 27 anos, tem seu trabalho destacado no Brasil e no mundo. Mas ele mostra que sua arte é mais do que fotografia. É um multi-artista que encontrou nos seus retratos o encontro das artes: violinista, radialista e contador de histórias.
Sua trajetória começou cedo, quando criança, em projetos sociais como o Arte Vida — voltado para maracatu e artes plásticas — e o Criança Cidadã, que lhe apresentou a música erudita e o violino.
A influência da música clássica de compositores como Mozart e Beethoven se reflete até hoje na sua fotografia, especialmente na forma como manipula contrastes e tons. Mas é a cultura preta ancestral que molda a essência do seu olhar. “Minha arte não é linear. É sobre sentir, não descrever”, define.


Em 2016, Ronald criou o projeto Crespografia, um ensaio coletivo voltado para empoderar pessoas com cabelos crespos e cacheados em Recife. O que começou como um encontro com poucos participantes rapidamente ganhou força, virando um movimento social que ressignificou a autoestima e incentivou muitos a assumirem seus cabelos naturais.
“Não foi só sobre fotos. Foi sobre identidade, sobre se ver bonito e potente como se é”, resume.
Crespografia: quando a arte vira movimento


A paixão pelas imagens vem de família. Ronald lembra da mãe sempre registrando momentos e contando histórias por trás das fotos. Essa herança se mistura à inspiração de Roberto das Fotos, nome dado aos fotógrafos de comunidades presentes em muitos bairros que retratavam eventos, faziam retratos e registravam momentos importantes da vida local — aniversários, festas, retratos escolares ou simples registros do cotidiano.
Para ele, a fotografia é narrativa. “Me vejo como um contador de histórias, usando a lente para registrar vidas a partir das minhas próprias vivências”, diz.


A fotografia como continuidade da memória
Reconhecimento e novos caminhos
Após o sucesso da Crespografia, Ronald encerrou o ciclo para seguir carreira solo. Em 2021, mudou-se para o Rio de Janeiro e foi surpreendido pelo reconhecimento: já era visto como referência em fotografia de pele preta. Pouco depois, veio seu primeiro grande trabalho com a Globo, no especial Falas Negras 2021.
Desde então, tem fotografado personalidades e expandido seu trabalho para curadoria. Atuou no primeiro salão de fotografia do Recife e prepara a primeira mostra preta de fotografia pernambucana, prevista para novembro. Entre seus sonhos, está realizar a primeira exposição autoral em museus.
Desafios e a luta pela autoria no independente


Ronald também fala sobre os desafios de ser artista preto num mercado desigual. Ele defende que é preciso criar oportunidades e se arriscar, mesmo sem dominar todas as habilidades no início. “Muitas vezes, pessoas brancas conseguem trabalhos sem ter o talento necessário. Nós precisamos dizer ‘sei fazer’ e aprender no caminho.”
Um de seus maiores embates, assim como muitos artistas talentosos e independentes, é proteger os direitos autorais das próprias imagens. Ele relata o caso de uma foto sua — o “menino no céu azul”, também chamada de Olhos para o Orum — que viralizou no mundo e já foi usada como tatuagem e pintura de rua.
Mensagem para a nova geração
Para jovens artistas, especialmente da periferia, Ronald deixa um conselho: “Confie na sua vocação. Plante sua árvore para colher seus frutos. Não viva da arte dos outros.”
E reforça um princípio que carrega desde o Coque até hoje:


“A favela também é potência estética.”
- Ronald Cruz
Foto: Ronald Cruz
Foto: Paulo Romão


